
"O tratamento não devolveu apenas autonomia, dignidade. Trouxe momentos". Essas palavras são do músico profissional Ricardo Guerra, 51 anos. Ricardo é pai de Gabriel Guerra, 20 anos, portador de autismo severo. Antes mesmo de ter o diagnostico da doença, o jovem já sofria com crises convulsivas, epilepsia refratária de difícil controle, além de crises de auto agressão.
"Mesmo tomando anti convulsivo ele apresentava crises, ao ponto de ficar internado. Gabriel sempre foi muito ansioso, hiperativo... O autismo nunca vem sozinho. Era tudo muito desregulado no organismo dele...", explica Guerra.
Ricardo foi aconselhado pelo amigo de infância e proprietário do Cannab Brasil Salvador, Leandro Stellitano, a experimentar o tratamento com o óleo de "canabidiol". Conhecido como CBD, o medicamento contém uma substância com o mesmo nome presente na planta Cannabis e que atua no sistema nervoso central, geralmente sendo utilizado no tratamento de alguns casos de epilepsia, transtornos de ansiedade, doença de Parkinson, Alzheimer e dor crônica.
"Comecei a estudar sobre o uso terapêutico da maconha. A primeira associação que busquei foi a Cannab Brasil, em Salvador, através do Leandro. Na seqüência a Apepi (Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal), no Rio de Janeiro. Nos primeiros dias de uso já fui vendo resultados. As ausências de crise foram se tornando cada vez mais freqüentes. Já vai fazer cinco anos que Gabriel iniciou esse tratamento. Hoje, ele usa os óleos da VerdiVita. Não toma mais nenhum alopático e não apresenta mais nenhum quadro convulsivo. Depois do uso do óleo a gente consegue sair com ele.. Ir ao shopping, restaurantes... coisas que antes a gente não fazia.", ressalta o músico.

"Meu filho não tem mais crise de auto agressão, além de ter criado mais autonomia, buscando se comunicar mais, da forma dele. Ele, apesar de ser não verbal, já tem um nível de interação que, em relação ao que era, é de 100%. Então, desde o início foram muitos avanços, na parte motora, cognitiva, de autonomia, de foco, controle da ansiedade... ", completa.
Administrador de formação, Ricardo hoje é pós graduado em Cannabis medicinal com mais de 26 cursos na área. Usuário de Cannabis há pelo menos trinta anos, ele iniciou o uso terapêutico da erva para tratamento de distúrbio de ansiedade.
"Tinha muitas crises, que eram bem difíceis e hoje não se fazem mais presentes em minha vida. Com base nesses resultados, tenho a certeza que realmente se trata de uma santa planta, um santo remédio. A gente está falando de uma coisa que é voltada para a medicina, para a terapia, para a cura. Não estamos falando de nada "adulto recreativo". É preciso que as pessoas não confundam as coisas.
Tratamento - A médica especializada em Família e Comunidade, Ana Carolina Argolo de Souza Cruz, conheceu o tratamento com canabidiol ainda durante o período da faculdade. Mas, foi durante a residência que acabou aprofundando seus estudos sobre essa forma de tratamento:
"Fiz um curso pela UNIFESP e pela PUC de prescrição terapêutica do canabidiol. Atendo há dois anos e meio na Associação Cannabis de Salvador. Sempre me questionei que somente a medicação dita tradicional fosse solução para a dor e sofrimento. Sempre busquei um outro olhar. Gosto da medicina tradicional chinesa, me interesso por acupuntura, faço auriculoterapia e o canabidiol entrou para mim nesse sentido. É uma planta utilizada há milhares de anos. Há registro de uso de cannabis na Índia, no Egito. Os efeitos colaterais são raros, sendo que você consegue manejá-los com facilidade".
De acordo com Ana Carolina, existe um avanço dentro da própria comunidade médica sobre a eficácia do tratamento:
"Antigamente, quando as pessoas chegavam e eu perguntava a opinião do profissional que a acompanhava (neurologista, psiquiatra, reumatologista...) em relação a tratamento com canabidiol a resposta era quase sempre a mesma: "ah não, meu médico é super contra e tal... disse que não tem evidências...". Hoje, a conversa já está mais avançada. Os médicos já estão orientando os seus pacientes a procurar. Sinto uma melhora em relação a isso. Assim como existem colegas que estão interessados em prescrever e aprender como é que se dá, como é que funciona, qual é a ciência por trás da cannabis, têm também aqueles que dizem assim: "Olha, eu não prescrevo, mas eu acho que é uma boa você tentar. Eu acho que vale a pena sim".
Segundo a médica, chegam ao seu consultório pacientes das mais diversas patologias, desde dor crônica, autismo, Alzheimer, Parkinson, transtorno da ansiedade ou síndrome cerebelar rara. Todos com resposta positiva ao tratamento com CBD.

imagem: divulgação
"São pacientes que já passaram por diversos tratamentos e consultas médicas. Conforme a gente vai utilizando o cannabis logo verificamos uma melhora no estado global desse paciente. Infelizmente, é um tratamento caro e ainda de pouco acesso. Não tem disponível, por exemplo, na farmácia do SUS. Há, inclusive, uma pressão por parte de pessoas que tem procurado a justiça para que o estado forneça o tratamento devido às evidências da sua eficácia".
Experiência - O caso de um paciente de Alzheimer é apontado pela especialista como uma experiência "exitosa e muito emocionante":
"Ele tem na faixa dos seus setenta anos, com diagnóstico há seis. Não estava reconhecendo mais ninguém da família, um discurso confuso, pouca interação, muito agitado e usando fralda. Uma de suas filhas havia falecido há uns anos atrás e quem cuidou da neta foi ele e a esposa. Foi essa neta, inclusive, quem buscou o tratamento com canabidiol. Ela queria oferecer ao avô o que estivesse ao alcance dela. Conforme o Alzheimer foi avançando ele foi deixando de reconhecê-la. E isso foi muito triste para ela. Existem alguns pacientes que, por uma questão genética mesmo, tem mais sensibilidade ao CBD. O CBD é um tratamento muito centrado na pessoa. O número de gotas e a forma como você vai utilizar, a gente vai descobrir utilizando e vendo o que melhor se adequa à sua condição. E ele é um paciente que conseguiu uma estabilidade com um número baixo de gotas, o que também foi uma novidade para mim", conta.
"Começamos com duas gotas de CBD. Sempre peço que com quinze dias utilizando o paciente retorne para gente avaliar como foi o início do tratamento. Após quinze dias, foi percebido uma melhora na agitação e com três gotas falou o nome dela. Logo, passou a reconhecer as pessoas da casa. Ela [a neta], então me falou: "Carol, que inacreditável, parece que eu tive um reencontro com o meu avô". Isso para mim foi muito emocionante, muito emocionante mesmo. Não foi a cura, mas foi uma regressão dos sintomas. Uma experiência incrível que vivi. Um caso surpreendente, tanto pela resposta, quanto por esse relato dela:
"eu reencontrei o meu avô". Hoje, ele está bem. Tem dias que lembra, tem dias que esquece, mas conseguiu estabilizar uma doença que havia avançado consideravelmente".
Mercado - Iniciativa pioneira na Bahia, a empresa Verdivita, presta auxílio em todo o processo que envolve o uso Canabidiol (CBD), desde a indicação de médicos prescritores do óleo até a autorização de importação da Anvisa e compra do produto.
Proprietário da empresa, Luiz Chilazi explica que sua experiência com a Cannabis surgiu após três casos de câncer na sua família:
"A gente já estudava, já conhecia os benefícios, mas sempre esbarrava na questão da resistência. Até que meu pai, meu irmão e minha mãe tiveram câncer ao mesmo tempo. Eu comecei a me informar mais e estudar a respeito do tema até como possibilidade de negócio. Comecei a introduzir o tratamento neles. Minha mãe teve uma recuperação maravilhosa. Ela recuperou peso, parou de sentir dores. Infelizmente, a quimioterapia foi muito agressiva e ela não suportou. Mas enquanto ela fez o uso da Cannabis, do óleo de CBD, a vida dela foi outra. Meu pai curou o câncer dele. Meu irmão também se curou. Antes, eles (pai e irmã) eram contra o uso do óleo e hoje são defensores”.

“Resolvemos montar a Verdivita a fim de ajudar as pessoas a terem informação e facilitar o acesso ao CBD. Ajudamos em todo o processo. Indicamos médicos prescritores e fazemos todo o protocolo de importação. Existe um rito a ser seguido, consulta, receita, laudo, autorização de importação da Anvisa e compra do produto", acrescenta Luiz.
De acordo com o empresário, por conta da falta de conhecimento dos médicos e das pessoas, o preconceito a respeito do uso ainda é grande no Brasil:
“Há uma ignorância velada. Inclusive, ainda há muitos médicos que por completa falta de conhecimento acabam recriminando o tratamento através do óleo. Aqui enfrentamos uma barreira muito grande, o que faz o Brasil seguir no sentido inverso do resto mundo. Lá fora é completamente diferente. Em muitos países, o CBD é vendido em qualquer farmácia. Mas acho que a coisa vem mudando. Tem muita gente séria entrando no processo, passando a fazer parte disso.”
Um trabalho da empresa, realizado junto à atletas de alto rendimento, que fazem uso do óle é visto pelo empresário como uma forma de desmistificar determinados tabus sobre os benefícios do CBD:
“A gente vê o esporte como meio de inclusão e de mostrar para as pessoas, que não é só o paciente, o doente terminal que precisa. Patrocinamos atletas de alto rendimento, que fazem o uso para recuperação muscular, melhora da qualidade do sono. Dessa forma, mostramos que gente saudável também usa. O uso da Cannabis não é a última alternativa. Ela é prevenção. Você inicia o uso do CBD para cura de algum transtorno e ele acaba atuando em outras parte do seu corpo. Isso é feito através do sistema endocanabinoide, que é um importante aliado da regulação e equilíbrio de uma série de processos fisiológicos no corpo humano. A planta é perfeita”.

O que diz a legislação brasileira?
No Brasil, o uso da cannabis medicinal é permitida desde 2019, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) definiu critérios e procedimentos para a importação de produto à base de canabidiol em associação com outros canabinóides. No entanto, por conta de alguns entraves na legislação, os custos para aquisição do produto ainda são bastantes elevados.
“Aqui, já temos algumas farmácias e laboratórios fazendo a comercialização do produto. Mas o custo é altíssimo. Falta uma legislação para esse processo. Falta permissão para o cultivo. Somente com o cultivo, o custo do medicamento pode cair”, finaliza Chilazi.