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Coronavírus: máscara de vinil transparente não protege do vírus

BBC NEWS

Produto vem sendo vendido para todas as regiões do Brasil, por preços em torno de R$ 25 e R$ 30, sob o argumento de que é inquebrável, não impacta na sua beleza e dá “liberdade para respirar”. Mas especialistas alertam que ele não protege contra o coronavírus.

Se você buscar o termo M85 no Google, talvez encontre um tipo de metralhadora. Ou imagem de uma galáxia lenticular descoberta em 1781 que tem este nome. Ou até o código da Classificação Internacional de Doenças (CID) referente a “outros transtornos especificados da densidade e da estrutura ósseas”.

Mas esse também é o nome dado por vendedores brasileiros a um modelo de “máscara” transparente feita com policarbonato. Esse tipo de produto, com preço em torno de R$ 25 a R$ 30, vem sendo vendido para todas as regiões do Brasil, sob o argumento de que é inquebrável, não atrapalha a beleza e dá “liberdade para respirar”.

O problema é: esse produto e similares não são eficazes para reduzir os riscos de transmissão do coronavírus, segundo os especialistas em infectologia e saúde coletiva ouvidos pela BBC News Brasil.

A explicação, segundo eles, está em dois pontos: o primeiro é que o material não é capaz de filtrar o ar inspirado ou expirado. O segundo é que não há uma boa adesão ao rosto — característica essencial para aumentar a proteção.

Nesse produto, os espaços grandes entre o rosto e a máscara permitem a entrada e saída de ar sem nenhum tipo de filtragem. Por isso, assim como os escudos protetores (face shield), esse produto não deveria ser usado sozinho, sem uma máscara de fato por baixo.

“Essa máscara de vinil, transparente, isso não tem função nenhuma de máscara, não tem elemento filtrante absolutamente nenhum. Isso não deveria nem se chamar de máscara, e sim protetor facial. Máscaras mesmo, que temos hoje disponíveis, são de tecido, cirúrgica e PFF2 ou N95”, diz o infectologista Antonio Bandeira, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Ao mesmo tempo em que é muito claro para o infectologista que a máscara não funciona no contexto da pandemia, ele conta que tem visto o produto em uso.

“Um dia desses entrou na academia em que faço exercício físico uma pessoa com isso, eu fui lá dizer para o dono da academia que não se pode permitir que alguém faça atividade física com um negócio desse. É gritante o vácuo de informação nessa área. Muita confusão.”

A professora da Unicamp Raquel Stucchi, que é infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, também avaliou modelos de máscaras transparentes disponíveis para venda encaminhados pela reportagem e disse que nenhum deles é adequado.

Ela destacou principalmente a falta de adesão ao rosto. “Não cumpre a função que esperamos de uma máscara para proteção contra a covid.”

Silêncio dos órgãos oficiais A página divulgada pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa com recomendações sobre uso de máscaras não menciona esse tipo de material transparente entre as orientações para proteção contra o coronavírus.

Por isso, a BBC News Brasil procurou as assessorias de imprensa dos dois órgãos para questionar especificamente sobre esses produtos. Nenhum deles deu orientação em relação ao produto.

A Anvisa respondeu que “não regulamenta e não tem recomendações sobre o uso das máscaras de vinil ou similares”. E a assessoria do Ministério da Saúde respondeu que “a Anvisa deve ser procurada para falar deste tema”.

Bandeira, da Sociedade Brasileira de Infectologia, diz que sente “grande carência de posicionamento”.

“Como alguém coloca um protetor facial transparente, chama isso de máscara, e as autoridades, como Anvisa e Ministério da Saúde, não se posicionam sobre isso, especialmente para apontar que isso não é máscara?”

Beatriz Klimeck, antropóloga e doutoranda em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), aponta que, neste cenário, “as marcas usam a falta de diretrizes para vender”.

‘Mais bonitas’

Klimeck, que criou o perfil @qualmascara nas redes sociais para divulgar informações sobre proteção contra a Covid-19, diz que a volta às aulas levou a um aumento na quantidade de perguntas recebidas diariamente no início de 2021.

O que chamou atenção, segundo ela, foi o argumento das pessoas de que elas querem usar uma máscara com a qual possam se sentir mais bonitas.

“Até as propagandas dizem isso: você pode continuar linda usando a máscara transparente. E eu não tenho postura de achar isso ignorância. Isso faz parte de um desejo das pessoas neste momento, que vem uma medida de cima para baixo e ninguém explica muito.”

O problema, ela destaca, é a falta de informação de que esses produtos, na verdade, não funcionam no contexto da pandemia. “É um fluxo de informações tão grande que as pessoas não sabem em quem confiar.”

“São muitas dúvidas que recebemos todos os dias e essa de fato é a mais preocupante porque ela não é nem considerada uma máscara.”

No rosto de pessoas públicas

A situação é agravada pelo exemplo dado por pessoas públicas, segundo os especialistas.

Duas figuras que foram vistas usando diferentes máscaras transparentes foram Celso Russomanno e Joice Hasselmann, então candidatos à prefeitura de São Paulo em 2020.

Esse tipo de comportamento, diz Stucchi, deseduca e colabora para que a população fique mais confusa.

“A população está procurando alternativas para não usar máscara, para usar algo mais confortável ou para poder aglomerar. A partir do momento que pessoas públicas e autoridades fazem isso, elas passam a informação para a população de que essas máscaras protegem, sim. Isso só aumenta a dificuldade de controlar minimamente a pandemia”, diz a infectologista.

Klimeck diz que é possível perceber diariamente a influência do comportamento de pessoas famosas, como atores e atrizes, no público em geral. “Um dia sai uma pessoa na TV com a máscara e no dia seguinte a gente recebe perguntas sobre ela.”

A OMS mantém a recomendação de uso de máscaras de tecido para o público em geral.

De forma geral, as entidades nacionais e internacionais pedem que as máscaras tenham duas ou três camadas e cubram bem o rosto, desde a parte superior do nariz até o queixo. Elas devem ser feitas com algodão ou poliéster, com uma trama de tecido mais densa.

Um estudo divulgado na Science Advances em 2020 testou mais de 10 tipos de máscara e apontou que a N95 apresentou maior grau de proteção. Depois dela, versões de máscaras cirúrgica e de algodão tiveram bom desempenho. Nos piores resultados, ficaram as bandanas e as golas de corredores usadas como máscara.

Esses testes são importantes, mas têm limitações. Especialistas dizem que é importante lembrar que se trata de um exercício em um ambiente controlado (e não na “vida real”) e que as máscaras têm diferentes níveis de proteção, dependendo do tecido e adesão.

A busca por formas de aumentar a adesão das máscaras ao rosto vem crescendo. Uma forma de fazer isso pode ser usar uma máscara cirúrgica com uma de tecido por cima, segundo estudo divulgado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão de saúde dos Estados Unidos. A lógica é que, se a máscara (ou as máscaras) estão bem ajustadas ao rosto, isso impede que o ar entre ou saia pelas laterais sem passar por filtragem.

Bandeira diz que tem orientado as pessoas a usarem os três tipos de máscaras, analisando as condições da ocasião em relação à proximidade com outras pessoas e tempos de exposição.

O infectologista diz que as de tecido devem ser usadas em locais mais abertos, em que a boa ventilação reduz riscos.

Para ambientes fechados, como um trabalho em escritório, ele recomenda a cirúrgica. Mas, se esse trabalho envolve reuniões mais longas, com mais pessoas, em locais fechados, recomenda a N95 ou PFF2.

Ele também recomenda os respiradores no transporte público, especialmente em viagens mais demoradas e ônibus mais lotados.

É importante sempre procurar modelos sem válvulas. Elas não são bem-vindas no contexto da pandemia, já que permitem saída de ar sem filtragem.

“Mesmo tendo iniciado a vacinação no país, ainda vamos precisar não fomentar aglomeração, manter distanciamento, higienizar as mãos e usar máscara correta e da forma correta durante todo este ano, no mínimo”, diz Raquel Stucchi.

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