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ENTREVISTA – Nelson Barros Neto, Coordenador do NAA e gerente de Comunicação do Bahia

Fundado logo no início do primeiro mandato do presidente Guilherme Bellintani, o Núcleo de Ações Afirmativas do Bahia (NAA) é apontado como um dos grandes legados da atual gestão. Atualmente coordenado pelo jornalista Nelson Barros Neto, que desde 2013 gerencia também o departamento de Comunicação do clube, e pelo administrador e atual assessor de planejamento, Tiago Cesar, o NAA teve como campanha inaugural uma ação no Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, em 21 de janeiro de 2018. Ao longo dos últimos três anos, através das campanhas contra o racismo, a homofobia, o machismo, a misoginia, e as diversas outras formas de preconceito, o clube tem se tornado referência no assunto.

Por conta do vídeo “Imagine um isolamento social por anos”, que tratou do preconceito contra o público LGBTQI+, o departamento de comunicação do tricolor está na final do Samba Digital Awards, premiação latino-americana promovida pela agência Samba Digital, filiada nos Estados Unidos e com atuação na Ásia. A peça foi indicada na categoria Ação Social.

Em entrevista ao Veja Notícias Online, Nelson Barros Neto falou sobre a implantação do Núcleo, os principais obstáculos enfrentados até então e a recente denúncia de racismos envolvendo o meia-atacante Ramires e o volante Gerson do Flamengo. Confira:

Como surgiu a ideia de criação Núcleo de Ações Afirmativas do Esporte Clube Bahia? Nos fale sobre a concepção do projeto e os principais obstáculos a serem vencidos para sua implantação.

A ideia de criação do Núcleo de Ações Afirmativas foi do presidente Guilherme Bellintani no inicio do seu primeiro mandato. A primeira reunião foi em janeiro de 2018. A ideia foi que a gente não poderia ser apenas um clube de futebol. Já que o Bahia é um elemento de identidade cultural do estado da Bahia, com tanta repercussão e que atinge a tantas pessoas, porque não tentar melhorar esse nosso mundo? humildemente claro e seguindo o clichê: não é somente futebol.

O Núcleo é formado por pessoas de diferentes áreas, com diferentes pessoas: negros, brancos, índios, homens, mulheres, pessoas trans, pessoas com deficiência, homossexual… Não houve nenhum tipo de cerceamento ou proibição para entrada no grupo. Cada um contribui com suas experiências.

Não houve obstáculo para ser vencido para a implantação do Núcleo. A diretoria decidiu fazer e eu, Nelson Barros Neto, gerente de comunicação do clube desde 2013, e Tiago Cesar, que é assessor de planejamento, fomos designados como coordenadores e começamos a tocar o barco. Os obstáculos surgiram posteriormente.

Como foi o acolhimento junto à torcida no início da implantação do projeto? Houve resistências? Se houve, como foram sendo superadas? Ainda há?

A torcida adorou desde o início. Tivemos uma excelente aceitação. As pessoas viram que o clube estava tomando uma iniciativa diferente e percebemos que outros clubes pelo Brasil passaram ao longo desses três anos a tentar fazer coisas parecidas. Viramos meio que um case de sucesso prestando consultoria para outros clubes que nos procuraram para tentar fazer situações parecidas, mesmo que mecanismos de responsabilidade social. O que tem de problema em relação a aceitação da torcida é quando a fase do time em campo não está boa, que é algo que não deveria ter nada haver, mas a gente sabe que no final das contas respinga em todos os setores do clube. Quando a fase do time está ruim reclama-se de tudo e qualquer coisa. Claro que cada um tem o seu jeito, não estou generalizando. Uma grande minoria da torcida, já detectada desde o começo do NAA e que não era favorável as ações que a gente vem fazendo, se aproveita dos momentos ruins em campo para criticar o NAA e o clube em si. Como se o Núcleo e as ações afirmativas fossem culpados pelas derrotas do time em campo. Eu diria a você, sem sombra de dúvidas, que a torcida em sua grande maioria abraçou o Núcleo e as campanhas. Claro, que como eU já falei tem a questão dos resultados de campo…

Temas como racismo, homofobia, conteúdos ligados à causa da mulher e inclusão social foram pautados nas campanhas desenvolvidas pelo NAAB. Como são definidas as pautas? Qual avaliação dos resultados obtidos até então?

Temos como avaliar os resultados de diversas formas, inclusive de maneira contábil através das redes sociais (compartilhamentos e likes), além impactos financeiros e sociais. Temos todos os levantamentos quanto a isso. A gente segue o calendário dos dias e datas comemorativas ao longo do ano, mas uma coisa que a gente tem em mente muito forte é a ideia de que não podemos nos limitar a isso. A gente quer falar da mulher ao longo do ano, não só em março. A gente quer falar da questão racial não só em novembro, etc. A gente tem obviamente essas datas que servem de gancho, mas não nos limitamos a isso.

Apesar dos avanços, o futebol, assim como a sociedade, é inegavelmente um ambiente predominante masculino. Como superar o machismo ainda vigente no esporte? Como a torcida reagiu às campanhas anti-homofobia?

O futebol, assim como a sociedade é um ambiente predominantemente masculino, e a gente está tentando tornar esse ambiente cada vez menos toxico.  Uma matéria do Esporte Espetacular deu destaque sobre como a nossa divisão de base trabalha a questão do machismo e tal. É muito difícil superar, mas a gente tem tentado com varias iniciativas, desde as categorias de base, na formação dos atletas, até os próprios atletas do time profissional que têm visto as campanhas. Da para afirmar sem pestanejar, que ao longo desses três anos, houve uma adesão boa por parte dos jogadores. Nunca forçamos ninguém a nada, mas a gente percebe que alguns atletas, a exemplo de Gregore que é o nosso capitão, e que passou a se identificar e se declarar um negro anti-racista. Antes ele não demonstrava se importar com esse tema. Tem várias outras manifestações de jogadores.  Em relação à torcida, temos constatado muitos avanços. A própria sociedade tem avançado, apesar de toda dificuldade que ainda existe.

No caso de Robinho, por exemplo, que ia para o Santos, chegou a ser anunciado e acabou não ficando pela questão do momento que a gente vive, pela pressão e protestos . Esse foi um movimento que o Bahia puxou. Certamente o Bahia foi protagonista nisso e ficará marcado na história. 

Em relação a resistência, eu diria que a questão da homofobia talvez seja a mais difícil. Ainda há um preconceito muito grande nessa área, embora o preconceito exista em toda as esferas. Ainda mais no atual momento da sociedade brasileira, onde há uma espécie de “Fla x Flu” eleitoral com tudo bastante politizado. Mas acho que a questão da homofobia é a mais difícil mesmo de ser enfrentada. As campanhas anti- homofobia são as mais propicias a terem resistências de mais pessoas e menos acolhimento.

No caso envolvendo os atletas índio Ramirez e Gerson muitos torcedores se posicionaram contrários a atitude do presidente Guilherme Bellintani em afastar o atleta tricolor. Qual foi a posição do NAA nesse episódio? Como foi trabalhada a questão junto ao departamento de futebol?

Essa questão foi muito difícil para a gente…Por ser o clube que é, por estar fazendo parte do Núcleo de Ações Afirmativas…. Depois de tantas coisas que a gente fez e de repente a gente ser alvo. Foi bem difícil, mas por outro lado a gente identificou como uma coisa meio de propósito… A gente teria que passar por essa prova de fogo. Acreditamos que passamos bem. A própria torcida teve uma reação muito boa no final de tudo quando a gente fez a nossa “Carta à Sociedade” falando sobre as medidas adotadas. Quis o destino que fosse com a gente. Foi muito difícil mesmo, tanto psicologicamente quanto na parte do trabalho diário, para mim, por exemplo, que sou da comunicação. Mas a gente foi enfrentando o tema. Sei que parte da torcida foi inicialmente contraria à atitude do afastamento preventivo, mas a gente julgou muito importante porque o nosso discurso tem que fazer jus ao nosso currículo e à nossa biografia. Não adianta falar uma coisa e quando acontece contra a gente, a gente fazer diferente. Se o alvo do racismo estava afirmando que foi alvo de racismo, a gente tinha que considerar a palavra da vítima. E assim foi feito. Só que o clube depois fez suas investigações. No final das contas, eu acho que em relação à nossa torcida o cenário foi revertido. Nacionalmente fomos muito aplaudidos no início e no final acharam que o Bahia iria afastar definitivamente Ramirez e nós explicamos que não. Houve então, meio que uma divisão. Mas muita gente entendeu, mesmo entidades negras e o próprio Observatório da Discriminação Racial no futebol, que é um ícone no assunto atualmente, acabaram entendendo a nossa nota.  

O futebol está de fato preparado para esses tipos de debates? De que forma à questão clubística pode interferir nas convicções políticas e sociais do torcedor?

Não sei se o futebol está preparado… Eu diria que talvez não. Por isso que nunca foi nada fácil nossas ações e inciativas. A questão clubística por interferir… foram milhões de coisas que aconteceram nesse período. Constatamos apoios de to0cedores de outros times, pessoas que não gostavam de futebol e passaram a virar Bahia, pessoas que se associaram ao Bahia, que comprar a camisa por conta dos posicionamentos…

Tenho um grande amigo da época de colégio, que é casado com uma francesa. Ela me contou um dia que ela e o sogro vira e mexe têm discussões politizadas e com divergências. Ela se pegou surpresa quando o sogro dela publicou no grupo de Whats App da família uma campanha que o Bahia fez contra a homofobia e apoiando a campanha. Ela disse que nunca aconteceria isso, mas aconteceu porque foi uma ação do clube do coração do cara. A paixão pelo Bahia falou mais alto e ele teve esse momento de reflexão.

*Nelson Barros Neto tem 35 anos e atuou como repórter da Folha de S.Paulo e correspondente da Folha em Salvador, além de redator do portal R7 (Rede Record) e repórter do jornal A Tarde, da Bahia. É formado em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia e em direito pela Universidade Salvador.

Veja algumas das campanhas de autoria do NAA:


O racismo está em toda parte, e no Bahia também. Vamos botar o #DedoNaFerida. Acesse https://t.co/D1MhaUpkfS, descubra e junte-se a nós #BBMP #DiaDaConsciênciaNegra pic.twitter.com/XMIygcfWS9 — Esporte Clube Bahia (@ECBahia) November 20, 2019

Campanha alusiva às manchas de óleo que invadiram as praias da região Nordeste em 2019


Campanha que concorre ao Samba Digital Awards


CARTA À SOCIEDADE Agir estruturalmente e aprofundar o debate racial ➡️ https://t.co/1UpJcVSi8A#BahiaClubeDoPovo pic.twitter.com/rsoqJ1nalH — Esporte Clube Bahia (@ECBahia) December 24, 2020
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