
Poucas indústrias no mundo conseguem mexer, ao mesmo tempo, com a cabeça, o coração e a economia, como o desporto, o entretenimento e, mais especificamente, o futebol. A constatação vem de um profissional experimentado, que acumula cases de referência em Gestão e Desenvolvimento, dentro e fora do Futebol, no Brasil e no exterior. Nesta entrevista, o Professor Rodrigo Santos, que também é empresário e consultor nestes campos, fala de gestão esportiva, performance, liderança e da sua relação com uma de suas paixões, que é o Esporte Clube Vitória, do qual foi consultor máster, conselheiro, diretor e é sócio há mais de dez anos. Vale a pena conferir!
Qual sua relação com o futebol e a gestão esportiva?
Sou um apaixonado pelo desporto e, mais ainda, pelo futebol. Tudo que orbita em torno desta indústria fascinante me encanta, desde criança. Em minha atuação, como consultor, empresário e educador, já tive a oportunidade de colaborar com projetos, que foram desde a reestruturação de clubes profissionais e ligas nacionais, passando pela mentoria de líderes e atletas de alta performance, até a assessoria a Ministérios.
Poucos segmentos no mundo têm o poder de unir o negócio e a paixão; a diversão e o trabalho duro; o digital e o presencial; a educação e a cultura. Porém, não é pra amadores (risos).
Sobra espaço na cabeça e no coração para ser, também, torcedor?
Quem disser que não tem time do coração, nunca esteve no esporte, de verdade. Sou baiano, nordestino e rubro negro, levando este orgulho por onde eu andar, dentro e fora da minha atuação profissional. Minha paixão pelo Vitória, como diria o também rubro negro – torcedor do Sport – Ariano Suassuna,não é de coração, pois coração morre. Sou rubro negro de alma, pois é imortal!
Com estes feitos e currículo, já teve oportunidade de contribuir com seu clube?
Excelente pergunta! Sou torcedor de arquibancada, desde sempre, integrante e cofundador de torcidas na adolescência e Sócio SMV há mais de uma década, sendo este o meu maior e eterno contributo. Agora, especificamente, respondendo a sua pergunta, tive sim a benção e alegria de ajudar o meu clube de coração, em um momento muito semelhante ao atual, onde tudo parecia perdido para sempre.
O Vitória vinha de uma Série C, colocado pelos “mesmos politiqueiros e seus bajuladores de sempre”, sem qualquer perspectiva e totalmente destruído. Foi quando fui convidado a me voluntariar como Consultor Máster de um amplo programa de Gestão e Planejamento Estratégico, criando e coordenando um Grupo de Trabalho permanente para esta área, composto de profissionais de excelência e grandes rubro-negros. Garantimos um espaço, totalmente blindado tecnicamente de intromissões políticas, que passou por quatro presidentes– totalmente diferentes entre si – com muito respeito, diálogo e resultados, só se dissolvendo por completo, infelizmente, em 2016.
Quais os resultados efetivos?
Saindo de uma terceira divisão e completamente falido, o Vitória foi Campeão Brasileiro de Gestão (McKinsey/Pluri/BDO) com diversos prêmios, nacionais e internacionais, de Governança e Transparência, reconhecimento de avaliadores notórios, como citado, sendo destaque em veículos como Exame, Época Negócios, etc. Fomos vencedores no Índice de Desenvolvimento Esportivo, que mede a relação entre planejamento, gestão e resultados de campo, como maior campeão regional e destaque nacional do período, conquistando alguns dos principais feitos da história do clube, no profissional e na base.
Além disso, Vitória foi destaque internacional, em relações institucionais, com memoráveis campanhas em Comunicação e MKT; política de Recursos Humanos e relatórios de sustentabilidade, premiados no segmento, como uma das melhores empresas para se trabalhar; entre muitos outros feitos que se refletiram nos gramados, fruto de uma política de Planejamento e Gestão que passava ao largo das individualidades. Repito: foram quatro presidentes diferentes e, mesmo assim, garantimos a sequência e a profissionalização.
Fizemos a fundação para um mega e irreversível crescimento. Uma pena assistir ao retrocesso que está aí, nos últimos cinco anos.
A situação do Vitória hoje, parece ser uma repetição da “terra arrasada” que se encontrava lá atrás. Você concorda?
Discordo. A situação é muito pior! O pior momento da história do clube, seguramente!
Futebol, como atividade profissional, está mais caro, mundialmente; não temos mais o paraquedas financeiro, que garantia receita televisiva fora de uma primeira divisão; as dívidas são muito maiores; e, principalmente, os velhos autointitulados “cardeais” estão, em sua maioria, trabalhando menos, conspirando mais e ajudando nada, o que acentua o amadorismo, a guerra política e a ideia de que o clube ainda pode ser uma capitania hereditária, onde se brinca de casinha.
Tudo isto em um momento decisivo no futebol brasileiro e mundial, onde se requer, como nunca na história, profissionalismo, transparência e liderança. É a última chamada para o voo do futuro e, quem errar agora, vai ficar na estação, ou viajar no compartimento de bagagens.

Como resolver este imenso problema no curto prazo?
Apesar da grave crise, nada justifica não estar, pelo menos, na final do campeonato baiano todos os anos, ou entre os grandes do nordeste. Temos um orçamento de G4 na série B e três anos namorando o Z4. É possível fazer muito mais, com o que já se tem.
Algumas perguntas, não querem calar: Atlético de Alagoinhas e Bahia de Feira, que têm chegado na nossa frente no baiano, estão nadando em dinheiro? Clubes como Goiás, Coritiba e CRB, brigando pelo G4, estão em situação financeira confortável?
Acho engraçado que, na campanha, todos têm solução para tudo. Depois, covardemente, passam a culpar o passado, “os problemas encontrados e a impossibilidade de se fazer algo no curto prazo”. A falta de recursos e caos financeiro são reais,mas a maior parte deste buraco foi criada pelos mesmos de sempre, que são precisamente os que estão reclamando sem nada fazer elegendo o mesmo modelo, seguidamente.
É, justamente, por termos pouco dinheiro, que Presidente e Vice não deveriam estar recebendo antes de funcionários/atletas e, por vezes, adiantando o próprio salário. Também não deveríamos ter contratado mais de cem atletas em três anos, quase todos reprovados, aumentando o rombo. Sem falar em uma série de decisões, no mínimo, incompetentes.
A reconstrução do clube, se fizermos tudo certo e diferente, de agora em diante, vai demorar alguns anos e não será nada fácil. Atingir o pleno potencial, de ser um clube continental, como sei que podemos, vai requerer mais tempo ainda. Mas, nada justifica a ausência de vergonha na cara, transparência, cuidado com a aplicação dos recursos, fazer o ‘feijão com arroz’ na gestão do futebol, para uma competitividade mínima, ao menos em uma série B nacional e com força regional, desde já.
Sobre o presidente afastado, Paulo Carneiro, o senhor avalia que houve mesmo gestão temerária que justifique sua saída, ou apenas uma gestão que não atingiu os objetivos?
Até onde eu sei, este processo está seguindo um rito rigoroso, com base no estatuto que, apesar de arcaico e cheio de brechas, está vigente e deve ser respeitado. Até que se prove o contrário, um trabalho diligente vem sendo feito, em função da chamada ‘fumaça do bom direito’, com alguns indícios fortíssimos. Temos que aguardar o encerramento das etapas para melhor juízo de valor.

Agora, como cientista político e já com os primeiros fios de cabelos brancos aparecendo (risos), sei que nenhum processo deste tipo costuma ser somente jurídico/contábil ou apenas político/organizacional. Paulo perdeu no campo, tudo que podia, perdendo, também, a compostura, a capacidade de se comunicar, além de dinamitar todas as pontes, com a torcida, imprensa, elenco, funcionários, conselho e, até mesmo, com seus principais aliados. Diga-se de passagem, estes que bancaram a eleição e deram sustentação a PC, sem exceção, são corresponsáveis por tudo, de bom ou ruim, da sua administração e devem ser vistos pelos sócios torcedores como o mesmo grupo e faces da mesmíssima moeda.
Que ações seriam necessárias nesta retomada do Vitória, em sua opinião?
Vitória precisa auditar o passado e limpar o presente, para construir o futuro!
Tudo deve começar por uma duríssima auditoria, sem qualquer caráter persecutório, mas que faça a maior radiografia da história do clube, doa a quem doer, através de uma das 4 maiores empresas do segmento (Big Four).Pode ser viabilizado, permutando propriedades para exposição de marca e patrocínio com suas ativações, por exemplo.
Isso vai jogar luz na escuridão do passado, separar o joio do trigo, dar base para processos de reparação financeira ao clube, punição aos envolvidos, além de deixar claro para todo o mercado que a história de amadorismo, impunidade, corrupção e incompetência, mudou. Além de ser o correto, garantiria união dos 3 milhões de rubro-negros (não de 3 ou 4 caciques), perspectiva de entrada de capital, fechamento imediato de torneiras do desperdício, entre outros benefícios. Isso, ao lado de uma reforma profunda do estatuto, modernizando-o, democratizando o clube e aumentando o poder dos sócios, começaria a botar a instituição nos trilhos, para o Vitória, finalmente, poder virar a página.
No futebol, especificamente, que caminhos esta reestruturação deve seguir na sua avaliação?
O clube hoje, considerando nossas possibilidades, gasta muito e muito mal. É urgente gastar menos e investir melhor! Não podemos nos dar ao luxo, por exemplo, de contratar nenhum jogador para compor elenco ou disputar posição, com jogadores da base, que por vezes nem têm chances. Enxugar toda a estrutura, mais e mais, investir uma parte significativa do nosso pequeno orçamento nas divisões de base, mas com uma política efetiva de revelação e uso dos jovens atletas, além de pautar contratações em critérios de qualidade, em detrimento da quantidade.
Dizem que não temos grana para contratar, mas quantos bons jogadores poderíamos ter contratado, com o dinheiro destes quase 100 atletas reprovados em menos de três anos? Será que, mesmo com a margem de erro, 10 contratações de atletas titulares não resolveriam, neste período?
Sem contar que bons atletas, dentro e fora de campo, qualificam e aceleram o processo formativo das nossas divisões de base, pela pedagogia do exemplo, fazendo a roda girar melhor e mais rápido. É falso este discurso de extremos, entre quem quer contratar poucos e bons jogadores, visando um time forte, e quem diz querer apostar na base. Uma coisa não exclui a outra, aliás, são complementares.Pra subir, vamos precisar de jogadores mais experientes e bem preparados, junto com uma boa política de prospecção, formação e uso de atletas bem mais jovens também.
Some-se a tudo isto, liderança e motivação, para levantar o moral da nossa tropa. Além de uma torcida incrível, temos a nosso favor grandes profissionais dentro do clube, que precisam de inspiração, condições de trabalho e respeito, para fazerem acontecer.
Nos modelos de gestão disponíveis, há muita solução possível para, praticamente, todas as crises. Mas é uma área racional, enquanto futebol envolve muita paixão e pressão por resultados. Como resgatar o passado, estruturar o presente e o futuro, lidando com esta forte influência emocional?
Nada resiste ao trabalho, feito com humildade e verdade. A nação rubro negra cansou de promessas, com toda razão. Enquanto se constrói saídas de médio e longo prazos, precisamos cuidar da autoestima do torcedor e da imagem do clube, tão maltratadas ultimamente, garantindo competitividade esportiva mínima e respeito máximo.
Antes de falar em futuro, o presente deve ser tratado com pés no chão, para fazer o simples, efetivo e conforme os poucos recursos que temos. Reduzindo as despesas fixas, gastando menos e investindo melhor, entregando o futebol e a base a quem é do ramo, mas sob uma liderança com visão, coragem e competência, além do início imediato de um programa de reestruturação econômico-financeira, que passa por recuperação – judicial ou extrajudicial – renegociação de passivos e/ou alargamento dos prazos, criação de um fundo patrimonial para readequação dos nossos ativos e levantamento rápido de recursos, visando reequilíbrio de fluxo de caixa.
Paralelamente, um grupo de trabalho qualificado deve se ocupar de implementar as ações, que podem começar a frutificar fortemente em dois ou três anos, garantindo que qualquer crescimento do hoje, não será jogado fora amanhã, como aconteceu no passado recente. Este espaço deve estar blindado de interferências políticas e da pressão dos resultados de campo, que são responsabilidade exclusiva do Presidente.
Como?
A criação do “Soccer Valley”, que seria o primeiro centro de inovação e tecnologias voltadas, exclusivamente, para o futebol, em parceria com Universidades, HUBs, Governos, Centros de Pesquisa e Investimentos(Venture Capital),pode dar uma dinâmica inédita e irreversível ao nosso clube.Através da implementação de unidades de negócios, incubação e aceleração de startups – Soccer Techs – com soluções para gestão, associativismo, performance, medicina esportiva, marketing digital, e-Sports, escolinhas modelo, franquias, etc.. Isto, seguramente, mudará o patamar técnico, no curto prazo, e financeiro, no médio prazo, devendo ser um dos principais eixos estruturantes de um outro Vitória, nesta terceira década do século XXI.
Ao lado de um novo programa de sócios, que valorize a própria torcida, mas vá além deste universo, inclusive, através de estratégias como multiníveis, cashback, multibenefícios, micro franquias, entre outras ações, que podem nos livrar, em poucos anos, da dependência excessiva, quanto às cotas de TV. Hoje, estas cotas, mesmo mal negociadas, são nossa primeira fonte de receita, quando deveria ser a terceira ou quarta, em grandeza, para nos libertar dessa sina de clube ‘sobe-desce’ que tá virando ‘desce-desce’, graças a este grupo que elegeu o engodo atual e o mantém.
O que acha da nova legislação sobre clube-empresa?
Houve um veto presidencial no projeto original, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), de pontos que são fundamentais para atração de investimentos, basicamente, quanto a um regime tributário diferenciado. Se estes vetos fossem mantidos pelo Congresso, dificilmente, as Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) seriam atrativas. Felizmente, o Senado já derrubou os vetos, enviou proposta para Câmara e se aprovada, a lei pode trazer uma boa opção de alavancagem.
Porém, mente quem diz que este é o único caminho para os clubes. Cada caso é um caso e precisa ser muito bem estudado. O que deve ser irreversível e intransigente – independente de empresa, associação, ou modelo misto – é o profissionalismo, a governança, a transparência e a competitividade esportiva.
O resultado do campo é pra ontem e pré-condição pro negócio prosperar. Se não dá pra ser um TOP 10 nacional, agora, sejamos o melhor Vitória que podemos ser. Infelizmente, os que dirigem o clube já mostraram que não sabem fazer.
Aceitaria o desafio de presidir o Vitória?
Cargos não me seduzem, mas encargos e desafios, sim!É uma paixão, com a qual jamais me negaria a contribuir, desde que o projeto seja maior que qualquer indivíduo!
Agora, apesar de, no discurso, a vontade de mudança ser quase uma unanimidade, vejo imperar, na prática, os mesmos puxadinhos, jeitinhos e conchavos de caciques, por baixo da mesa e com a luz apagada. Não vou compactuar com as velhas práticas, pois este é o modelo que nos trouxe para este caos. Embora respeite a todos e esteja sempre disposto a ouvir, não tenho o perfil dos indicados e apadrinhados históricos, nem aceitaria ser ungido por cardeais, para chegar à presidência de mãos atadas. A melhor aliança é com os três milhões de rubro-negros!
Então, para que eu ou qualquer liderança, verdadeiramente transformadora, assuma o clube, alguns requisitos são fundamentais e passam pela efetivação da real vontade de uma geração de rubro-negros, sem os vícios históricos; a possibilidade de eleições limpas, com uma auditoria técnica na base de dados do Sou Mais Vitória, apoiada por órgãos como TRE e MPBA, sem sujeição aos que têm interesse direto no pleito; e a criação imediata de um observatório das contas do clube, incluindo todas as correntes e pré-candidatos, em uma transição prévia, para que o futuro presidente não diga que “não sabia o que encontraria”.
Como você pode ver, não é um conjunto de coisas simples de acontecer pois, apenas a troca de ‘mais um presidente’, não mudará nada no clube. Quem assumir este desafio gigante, precisa ter energia, preparo e condições institucionais, para conectar as inteligências dos melhores rubro-negros e rubro-negras e tomar as duras medidas necessárias, em um processoque pode representar a refundação que o Vitória precisa, à luz dos resultados de uma auditoria integral e de um novo estatuto. Estou pronto para colaborar!
Rodrigo Santos é Empreendedor e Professor de MBAs em Gestão Esportiva; Doutor em Educação, Política e Gestão; Mentor e Consultor Internacional.